Talento acima da média

Quarto de Hugo Calderano guarda recordações da carreira do principal nome do tênis de mesa do Brasil

Paulo Favero Do UOL, no Rio

O quarto em um apartamento no Rio de Janeiro, que já teve cama e espaço para o pequeno Hugo, agora guarda relíquias da carreira do jovem Calderano, o principal jogador de tênis de mesa do Brasil e considerado um dos melhores do mundo.

Ele deixou a casa dos pais para treinar na Europa e viver o sonho da modalidade das raquetes, e aquele espaço íntimo conta um pouco da trajetória dele. "A gente fica olhando, é uma nostalgia boa, gostosa, pois são memórias muito boas que estão aqui apresentadas", diz Elisa, mãe do atleta.

Ela e Marinho, pai de Calderano, receberam a reportagem do UOL para mostrar uma parte da coleção de conquistas do atleta que vai representar o Brasil nos Jogos Olímpicos e tentar acabar com a hegemonia chinesa no esporte. Em Paris, ele será cabeça de chave e tem condições de conquistar o primeiro pódio do país na modalidade, o que seria um feito enorme.

"Se ele estiver bem e conseguir desenvolver o jogo que ele está preparado para fazer, eu acho que tem muita chance de estar disputando as primeiras posições", diz Marinho, que vai torcer muito pelo sucesso do filho. "As Olimpíadas têm uma aura especial", completa Elisa.

Talento precoce

Professor de educação física, Marinho sempre notou no filho uma aptidão para os esportes. No quarto onde hoje está parte das memórias do atleta, pai e filho jogavam bola. "Vi que ele já tinha habilidade desde pequeno, mas olhando essas lembranças todas aí, é emocionante, e dá um orgulho enorme", conta.

A família sempre esteve muito ligada ao esporte. O avô também é professor de educação física, e foi muito importante para a carreira de Hugo. "As atividades de entretenimento eram relacionadas ao esporte, o passatempo era relacionado ao esporte", completa Elisa.

Desde cedo o atleta foi estimulado a praticar vários esportes. "Levamos ele para experimentar o tênis de mesa, a gente levou no Fluminense, fez a escolinha de vôlei, testou o atletismo", diz Marinho. Ao mesmo tempo, ele também experimentou outras atividades, como aulas de música, de desenho, com o intuito de ampliar horizontes.

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Genialidade

Hugo tem um grande talento para o tênis de mesa, mas também sempre mostrou facilidade de aprender coisas. Consegue resolver um cubo mágico em segundos, é autodidata, vem aprendendo chinês por conta própria. Tudo isso chama atenção dos fãs.

"Eu acho que ele tem, sim, um quê de genialidade, ele tem uma inteligência fora do normal. Muitas vezes a gente se surpreende com isso. Como o Marinho é professor de educação física, trabalhava com crianças e a gente via que desde muito pequenininho, o Hugo tinha uma coordenação motora que era muito além do normal para a idade dele", explica Elisa.

Ele tem uma paixão por aprender, por se desafiar. Ele resolveu aprender ukulele por conta própria, aprender violão, então eu acho que mais do que qualquer coisa ele gosta de se desafiar e aprender coisas novas."

Elisa

Foto icônica

Elisa aponta que o momento mais marcante da carreira do filho foi nos Jogos de 2016, no Rio. Nem tanto pelo resultado ou pelo momento do atleta, mas sim pela atmosfera que foi criada nas Olimpíadas disputadas em casa.

"Foi quando surgiu uma foto icônica. Ele tirou a selfie com a torcida atrás e captaram esse momento. E atrás tem colegas dele de escola, tem colegas minhas de trabalho", lembra Elisa.

Ela explica que nos Jogos do Rio, o tênis de mesa começou sem ter o ginásio cheio. No primeiro jogo do Hugo tinha bastante lugar vazio, e ele ganhou. "Aí ele foi jogar o segundo, já estava um pouquinho mais cheio, e venceu, o que não era esperado porque já era um cara num ranking melhor que o dele. Aí ele foi jogar, era um domingo, e foi aquela correria, todo mundo querendo comprar ingresso. E aí no terceiro jogo já estava o ginásio lotado, todo mundo gritando o nome do Hugo e tal. Foi quando tirou a foto."

Carreira no exterior

Para se aprimorar, Hugo fez um movimento na carreira e foi morar na Alemanha, para jogar na liga nacional, considerada uma das mais fortes do mundo. Tinha apenas 18 anos e era pouco conhecido internacionalmente. Foi para o TTF Liebherr Ochsenhausen e substituiu o medalhista olímpico Ryu Seung-min.

"O Hugo foi muito novinho, contratado para jogar a Liga Alemã, que é uma das mais fortes do mundo. Entrou no clube, ninguém conhecia. Todo mundo falou assim: 'Quem é esse garoto brasileiro que vai vir pra cá?' E aí, em uma das primeiras rodadas, ele derrotou o Timo Boll, com o ginásio lotado. Era um dos maiores ídolos do esporte da Alemanha", conta Elisa.

O cartão de visitas logo mostrou que aquele atleta sul-americano era super talentoso. Ficou sete anos lá, aí partiu para uma temporada no Gazprom, da Rússia, mas com a guerra com a Ucrânia, ele mudou novamente de clube e foi para o Kinoshita, do Japão, onde também ficou uma temporada até retornar para a Alemanha.

A ideia da metodologia é apresentar uma possibilidade de aprender tênis de mesa inspirada na trajetória do Hugo, que é porque ele aprendeu e desenvolveu o jogo dele com criatividade, com independência. E isso faz parte do sonho do Hugo de ajudar a popularizar mais o tênis de mesa."

Elisa

Projeto de legado

Calderano será cabeça de chave nos Jogos de Paris e tem o sonho de colocar mais uma medalha - e seria a principal delas - no seu quarto. Para isso, precisa confirmar o favoritismo em alguns duelos e encarar os adversários da China, maior potência da modalidade. Mas mais do que subir ao pódio, ele tem um projeto ainda mais ambicioso.

"Claro que ele quer ser medalhista olímpico, ele quer ser campeão mundial, mas o Hugo, há muito tempo, diz que um objetivo dele no tênis de mesa é deixar um legado para a modalidade. Ele não quer desperdiçar essa popularidade que está conseguindo e pretende deixar um legado para a modalidade", revela Elisa.

Até por isso, o atleta vem desenvolvendo uma metodologia de ensino de tênis de mesa. "O Hugo é conhecido por ter um jogo muito criativo. Isso tem a ver com a personalidade dele, mas também tem a ver com como ele aprende. Ele começou sem um treinamento formal e no final, o que era uma desvantagem, pode ter trazido vantagens para o jogo dele. Por exemplo, ele inventou o golpe que é o backhand de duas mãos, que ninguém fazia. Hoje a gente já vê outros atletas, principalmente os mais jovens, que percebem que isso pode ser um avanço para o seu jogo."

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